segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

MAGGIE E LEELA: DUAS HISTÓRIAS

Maggie

Por Kênia Castro

Minha história de adoção na verdade começa com uma outra história… a de Maggie.

Sempre fui louca por bichos, amo e respeito incondicionalmente. Antes de me casar, convivi com minha poodle Kika por muitos anos. Kika vive na casa da minha mãe. Assim que me mudei, imediatamente, comecei a sentir falta de bichos ao meu redor, tamanha a proximidade e afeto que tenho.

E foi assim que começou minha historia com Maggie. Por alguma razão, naquele momento, não pensei em adotar e também não tinha a consciencia da importancia da adoção. Sempre fui louca, apaixonada por Schnauzers, nem sei bem dizer o porquê, mas queria muito um barbudinho(a) aqui em casa. A princípio  preferi não comprar de criadores por ser meio desconfiada com eles. Eu sei que existem criadores sérios, mas existem muitos que apenas exploram os bichos e não queria ser parte de um ciclo deste tipo. Foi então que apareceu uma ninhada aqui em Natal, de uma pessoa que não era criador. Achei a oportunidade perfeita e comprei Maggie.

Maggie era um encanto: meiga e carinhosa. Meu marido, que até então tinha um pé atrás com bichos de estimação, simplesmente se apaixonou por ela e ela por ele. O astral da nossa casa parecia outro.

Com apenas 6 meses de vida Maggie começou a apresentar os sintomas da doença que a levaria a morte poucos meses depois. Parou de comer e rapidamente  emagreceu. A principio achavamos que era a troca dos dentes, nunca desconfiamos da gravidade da doença. 

Em Fevereiro deste ano finalmente descobrimos que ela tinha insuficiencia renal cronica em estágio avançado. Uma doença comum em Schnauzers, no rol das famosas “doenças das raças”. Não pude acreditar que um filhote tão frágil estava passando por algo tão dificil. Não desistimos dela e ela foi tão forte, apesar do tamanho, que até o último minuto as respostas ao tratamento que ela nos dava não eram compativeis com a realidade assustadora dos exames, nos levando a crer que conseguiria superar aquilo.

Foram 40 dias de tratamento, soroterapia (não existe hemodialise para animais em Natal). Durante este período praticamente parei de trabalhar, vivia em função dela. Queria estar o máximo possível de tempo ao seu lado, não apenas para dar o conforto que precisava, como também, por já descofiar, que aquele tempo era precioso.  Sabia que não seria fácil, mas queria acreditar que ela poderia, ao menos, viver algum tempo, mantendo o controle da doença com restrição alimentar.

Maggie

Em março deste ano Maggie faleceu com apenas 7 meses de vida. Foi um dos piores momentos da minha vida. Não tenho palavras para descrever a dor e a revolta que senti. Tudo aquilo que sabia sobre raças, aperfeiçoamento genetico, cruzamentos entre irmãos era muito maior do que poderia imaginar. Maggie foi uma vítima disso tudo. Seria impossível um filhote ter desenvolvido um comprometimento em grau tão avançados dos rins, senão por isso. E fico imaginando quantos outros filhotes não nascem condenados a morte ou vivem o resto da vida lutando contra uma doença genética.

A passagem de Maggie por aqui foi curta, mas inesquecível e muito intensa. Foi algo que marcou tanto nossas vidas que seria impossivel não sentir saudade. E de certa maneira me deu mais consciência sobre a importancia da adoção e a necessidade burra de aperfeiçoamento genetico em cães. As pessoas precisam urgentemente entender a gravidade disso. Em cidades pequenas como Natal, a maioria dos cães de raça tem alguma ligação genetica e, ainda sim, continuam reproduzindo entre si.  Ninguém compreende o sofrimento a que esse bichinhos estão condenados. **

Um mês após a morte de Maggie – ainda abalada – recebi uma ligação da veterinária que acompanhou todo o tratamento dela e que foi um verdadeiro ombro amigo durante todo aquele período. Ela, sabendo da minha paixão por animais e o quanto adorava Schnauzers, ligou dizendo para que fosse imediatamente ao seu consultorio pois havia uma Schnauzer precisando urgente de um lar. Num primeiro momento não dei importância. Achava que não tinha condições psicológicas ainda, minha dor era recente. Depois mudei de idéia e pensei: não custa nada conhecer, né? Foi assim que conheci Leela (que antes se chamava Batata). Ao entrar no consultorio ela correu pra mim com um olhar desesperado de quem precisava muito de carinho e eu me apaixonei imediatamente. 

Leela

Leela (3 anos) vivia num canil que vendia Schnauzers. O canil já teve um certo renome em Natal, naquele  momento os cachorros estavam praticamente abandonados. O proprietario havia partido e deixado pessoas encarregadas de alimentá-los. Estavam imundos, com carrapatos e confinados, creio, num espaço pequeno para tantos cachorros. O proprietário resolveu doar alguns cachorros e vender outros. Leela, hoje desconfio, só foi doada porque descobri, algum tempo depois, que tem catarata precoce (outra doença genetica), e por isso não serviria para reprodução.

Após conhecer sua historia, voltei pra casa e passei a noite pensando nela.  Parecia que ela pedia desesperadamente para que eu a levasse para casa. Fiquei cheia de dúvidas: será que ela vai se adaptar? Não tinha idéia de como era adotar um cachorro adulto. Ao chegar em casa meu marido  ficou impressionado com a história e deu o veredito: precisamos adotá-la! Ela precisa da gente e nós, muito mais, dela.

Quando ela chegou aqui e a conheci melhor tive certeza do quanto precisava do nosso carinho. Leela até hoje é assustada, no primeiro dia ela nem sequer saía da sala (creio que sempre viveu em espaço limitado) e qualquer barulho a deixava apavorada (com toda certeza gritavam com ela). Ela estava infestada de carrapatos. Sua barriga era cheia de picadas, o pêlo encardido. Ela tinha também um certo porte, estilo cachorro de competição. Não sei dizer se algum dia teve que participar de alguma competição, mas a postura ela tem.

O primeiro passeio foi algo impressionante, acho que nunca a levaram para passear, era um misto de pavor e curiosidade. Brinquedos então…. somente 4 meses depois ela finalmente aprendeu a brincar com eles. No começo, preocupada, pensei que ela nunca superaria tantos traumas.  Mas a capacidade de superação desses bichinhos é algo impressionante. Pouco tempo depois Leela era outra. Jamais saberei todos os traumas por que ela passou, e creio que ela sempre terá uma personalidade mais quieta e preguiçosa (risos). Mas a rapidez em que superou os seus medos foi impressionante. Ela só precisava de carinho e atenção… só isso. Continua super carente – é daquelas que ficam horas no teu colo se você deixar.  E esse olhar de gratidão, sempre que recebe algum carinho, conquista a todos que a conhecem.

Leela

Hoje ela está linda (eu brinco que parece cachorro de madame). Tem também duas casas (passa horas na casa da minha mãe recebendo muito carinho) e foi graças a ela que conseguimos superar a perda da Maggie.

Apesar de ter catarata precoce em apenas um olho, enxerga bem. Estamos utilizando um colírio que ajudará a retardar a cegueira, se é que algum dia ela realmente perderá a visao neste olho.

A adoção abriu minha visão para tanta coisa e me fez um bem inimaginável (a ela mais que a mim, né?). Cada conquista da Leela é um momento de superação pra nós também. Saber que fiz algo único por ela e que graças a nós ela nunca mais precisará ter medo de nada. Essa sensação de poder oferecer carinho, cuidado e liberdade para um ser que havia sido criado largado, sem receber nenhum tipo de atenção, é recompensadora. Ela precisava de muito pouco para ser feliz.

Depois de tudo o que passei, creio que nunca mais conseguirei comprar novamente um cão. A experiencia da adoção muda nossa vida. Embora sejam duas historias diferentes, Maggie e Leela, de certa forma, estavam conectadas: Maggie nasceu condenada com uma doença genética típica de sua raça e Leela teria como destino somente a procriação e o lucro. Ambas, de certa maneira, vítimas de uma mesma indústria.


* gostaria de agradecer a Marcelo e Cris por me incentivarem a contar essa história e por terem sido peças fundamentais na decisão da adoção de Leela (uma das escolhas mais sábias que fiz na vida) e nas minha angustias durante toda a adaptação dela.

** recomendo a todos que assistam esse documentário esclarecedor do Animal Planet sobre diversos assuntos que cito acima: "Segredos do Pedigree" http://www.youtube.com/watch?v=cpakSi010n4


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4 comentários:

  1. faça um vagabundo trabalhar, não compre pets.

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  2. Emocionante a história de Maggie e Leela, parabéns por tomarem a atitude certa em relação a adoção, realmente essa sensação de bem estar que está ligada ao fato de ajudar quem precisa não tem preço.
    Tb tenho um amiguinho de rua que foi adotado e hj é o amor da minha vida, a melhor coisa que me aconteceu, me tornou uma pessoa melhor e mais feliz, o carinho que vejo nos olhos dele é inacreditável, nem meus filhos me olham com tanto amor!!
    Nunca mais comprarei um cão, adotar daqui pra frente sempre vai ser a minha prioridade.

    Flávia calazans

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  3. Linda e emocionante história!! Parabéns!! Vida longa a Leela e sua família:)

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