sábado, 29 de outubro de 2011

SE VOCÊ NÃO TEM UM CÃO, NÃO SABES QUEM TU ÉS.

Mimi

 Por Andrelúcio Ribeiro

Não faz muito tempo, lá em casa eu era o ser vivo mais paparicado do pedaço. Porém, eu tenho um coração muito caridoso, altruísta, cheio de espaços que cabem sempre uma boa ação – não que eu seja perfeito.

Era um domingo, já era noite, e observei um cachorro magrinho sentado do outro lado da rua. Ignorei, entrei em minha casa e fui ver um programa na TV. Cerca de duas horas depois, vou à calçada e encontro o cachorrinho deitado na calçada do vizinho, sob o carro dele. Decidi ir lá e oferecer algo para ele comer: joguei pão e presunto. Surpreso, vi que ele rejeitou e parecia ter medo de mim. Preferi ir embora para casa, já era tarde e no outro dia eu precisava ir trabalhar.

Três dias após este episódio, eu encontro o mesmo cachorro de olhar triste. Ele estava na rua, não andava tão firme nem latia, tinha o pelo ralo, unhas grandes e externava dor. Ao tentar contato, observei que era uma cachorrinha.  Tive o desprazer de notar um tumor na genitália daquele animalzinho, era horrível.

De repente, começava ali um novo capítulo na minha vida. Novato na empresa, e ainda com salário de experiência, pagando dívidas da época em que estava desempregado, eu não poderia arcar com os prováveis custos pecuniários que o tratamento exigiria. Eu já tinha comprado ração Pedigree, Purina, deixava parte do meu almoço para ela comer. Mas os dias passavam e a ferida não minimizava. Passaram-se duas semanas, e eu peguei o carro de minha tia emprestado para ir ao Nordestão. Quando eu saí, notei pelo retrovisor, aquela cachorrinha debilitada tentando correr e seguir o carro. Eu já estava com o coração partido, já estava arrasado o suficiente para impor em meu próprio coração uma coação moral e uma cobrança arrefecedora sobre a minha consciência. Ela, a cadelinha triste, já havia me seguido por dois dias na parada de ônibus – quando eu saía para trabalhar às 6 e 30hs da manhã. O olhar expressivo dela transmitia sentir dor, fome e um pedido de ajuda.

Fui deitar, não consegui dormir, imaginava a dor que ela sentia, era um tumor que tinha o tamanho de um sabonete. Ela já não queria comer, não olhava para mim com um jeito “pidão”. Então, resolvi colocar a foto dela na internet, contando com a ajuda de um amigo. Meus familiares perguntavam o que eu tinha, se estava mal da saúde, o que havia em mim de tão preocupante. 

Foi quando surgiu a indicação de um blogueiro (perdoem por esquecer o nome dele), cedendo um número de telefone de um anjo, é isto mesmo, um anjo que está na terra. Imediatamente, liguei para esta pessoa sem saber como eu seria atendido. Coincidência, ou não, era o aniversário desta pessoa!

Para a minha sorte, fui muito bem atendido, ela se prontificou a ajudar, disse que assumiria a situação, ela me deu um presente de Natal ( Na verdade foi o segundo, pois o primeiro presente de Natal eu havia ganho na empresa, quando consegui brinquedos e alimentos para o Gacc ). Fiz uma vaquinha com os amigos e arrecadei uma quantia para o início do tratamento.

A cadelinha foi resgatada, levada para uma clínica em Mirassol, foi tratada – inclusive com quimioterapia -, renasceu para o mundo e ficou para adoção. Fiquei separado por meses, sendo que todos os sábados eu a visitava e levava um pacote de ração. Ela me lambuzava todo e a despedida era um chororô dela e uma dor em mim. Por morar em um kit net, com 16 metros quadrados, ficava inviável a adoção por minha parte, nem móveis tenho. Eu precisava convencer os meus familiares (moradores da casa da frente, e relutantes a ideia de criar animais) de que a cadelinha ficaria só por um tempo, e se não desse certo poderíamos devolver para a clínica – era tudo mentira minha.

Em junho deste ano, Mimi veio para a minha casa, onde demonstra ser uma cadelinha meiga, educada e alegre. Seu focinho é semelhante ao de uma raposa. Tenho enfrentado problemas com a faculdade, com a escassez de tempo, com o capitalismo, com a saúde de parentes próximos. Mas em nenhum momento eu me senti tão bem acompanhado. Desde a minha chegada em casa, quando ela faz questão de demonstrar carinho e subserviência, passando pelos horários exatos do lanche e do sono, até a hora da minha saída ( quando ela murcha as orelhas e fica deitadinha me olhando ), Mimi tem mostrado o que é lealdade e companheirismo.

Eu, que já sofri com depressão após a morte da minha mãe-avó. Que já fui injustiçado inúmeras vezes em concursos ou empresas que trabalhei, que sofro com oscilações de peso, aprendi que a grandeza das coisas na vida é enxergar a pequenez da minha ignorância humana, e ceder à minha alma a essência da inocência da vida. Aprendi que a minha terapia veio à mim, em forma de um ser que parece depender de mim, mas que me ensina diariamente como respeitar e amar. Situei-me no universo, esqueci o senso comum de que animais são problemáticos e observei a realidade de que animais são necessários e cúmplices eternos.

Em casa, não sou mais o ser vivo que sofre paparicações, perdi esta posição, pertence a ela. Não passo mais pelas seção de rações de forma desproposital. Não uso mais a foto do meu time no celular, nem consigo olhar para um cãozinho na rua do mesmo modo que antes.

O tumor que sumiu dela, graças a ajuda do anjo e das pessoas que formam a equipe da clínica, levou junto com ele alguns sentimentos como indiferença e intolerância. A quimioterapia sanou a doença e implantou em meus pensamentos a sensação de que ainda não acabou, estou só começando. Aprendendo a ser feliz com uma cadelinha, esquecendo o cansaço e a falta de tempo, amando-a como uma criança ama o seu cãozinho, brincando como um cãozinho com outro, e comportando-se como um ser humano tem que se comportar: com o coração aberto aos sentimentos humanos.

Se você não tem um cãozinho, então chore. Pois, não sabes ainda quem tu és!

 Este texto vai como uma homenagem para Dona Elaine e seu marido André (ambos são os anjos citados), vai para toda a equipe da Policlínica Veterinária Dr. Tarcísio Barreto (Cláudia, Dra. Cristiane, Dr.Tarcísio e o restante do pessoal), em Mirassol, onde eu pude ver um trabalho com amor.

Leia também:

7 comentários:

  1. carmen ....mãe do ROMEU30 de outubro de 2011 às 10:03

    Muito merecida essa homenagem!!Tive a oportunidade de conhecer essa pessoa de coração enorme que é ELAINE! Belíssima essa história de adoção. Parabéns e muitas felicidades pra vc, sua família e a sortuda MIMI!!!

    ResponderExcluir
  2. Pois é Andrelúcio, sinto por aqueles que não são capazes de perceber o amor e a dignidade vindos de um cão. Ignoram seus olhares, seus pedidos de ajuda ...Ao mesmo tempo agradeço a Deus por ter me feito sensível às suas dores. Sofro com eles, mas na maioria dos dias me fazem imensamente feliz!

    ResponderExcluir
  3. Parabéns a Andrelúcio pelo texto, li várias vezes e todas me emocionei. Acredito que nada na vida acontece por acaso, tudo vem da providência de Deus. Saiba que esse encontro com Mimi e com os "anjos" que defendem a causa animal não foi a toa. Todos vocês foram escolhidos para salvar a vida de Mimi. E como recompensa, a fidelidade e a gratidão dessa cadelinha por resto da vida. O título da narrativa já diz tudo.

    ResponderExcluir
  4. Tenho 15 cães, quase todos resgatados das ruas. E chorei com sua história. Parabéns. É por causa de pessoas como você que ainda creio que a humanidade tem solução.

    ResponderExcluir
  5. Que lindo!!!! Até chorei um pouco com seu relato.
    Eu não tenho mais cão, pois o meu morreu este ano. Mas, ter animais em casa sempre faz um bem danado. Agora eu só tenho um gato, e quando me sinto só, ele está sempre comigo.

    ResponderExcluir
  6. Puxa! que história...emocionante..me fez chorar. Que Mimi tenha muitos e muitos anos de vida para desfrutar ao seu lado. A você desejo vitórias e que Deus continue te abençoando.

    ResponderExcluir
  7. Muito linda mesmo a história. É um privilégio conhecer pessoas que também se sensibilizam com uma causa que a maioria ignora. São verdadeiros anjos!

    ResponderExcluir

SEU COMENTÁRIO É IMPORTANTE PARA NÓS